O feminismo é um movimento social e político que, ao longo da história, tem se dedicado à luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Embora muitas vezes reduzido a estereótipos ou mal compreendido, o feminismo é, antes de tudo, uma força transformadora que moldou sociedades, leis e mentalidades. No Brasil, essa trajetória é marcada por resistência, conquistas e por um contínuo processo de reconstrução diante das desigualdades persistentes.
AS RAÍZES DO FEMINISMO NO MUNDO
O movimento feminista surgiu oficialmente no século XIX, no contexto das lutas por sufrágio feminino e direitos civis. No entanto, suas sementes foram lançadas muito antes, com mulheres que desafiaram as normas impostas — como Olympe de Gouges, autora da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), e Mary Wollstonecraft, com A Vindication of the Rights of Woman (1792).
A primeira onda feminista (séculos XIX–XX) centrou-se na luta pelo voto feminino e pelo direito à educação. A segunda onda (décadas de 1960–1980) expandiu o debate para temas como sexualidade, mercado de trabalho e autonomia reprodutiva. Já a terceira onda (a partir da década de 1990) trouxe a interseccionalidade como pauta central — reconhecendo as diferentes experiências de mulheres negras, indígenas, periféricas, trans e de outras minorias.
O FEMINISMO NO BRASIL: UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA
No Brasil, o feminismo se consolidou a partir do final do século XIX, em meio a uma sociedade patriarcal e marcada pela escravidão. Mulheres como Nísia Floresta foram pioneiras ao defender o direito à educação feminina ainda em 1832, com sua obra Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens. Já no início do século XX, Bertha Lutz liderou o movimento sufragista e fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922), conquistando o voto feminino em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas.
A partir da década de 1960, o feminismo brasileiro se transformou em um movimento mais estruturado e combativo. Durante a ditadura militar (1964–1985), grupos feministas se organizaram em meio à repressão política. Entidades como o Centro da Mulher Brasileira (CMB) e o Movimento Feminino pela Anistia se destacaram ao associar a luta pelos direitos das mulheres à resistência democrática.
Na década de 1980, o feminismo ganhou novos contornos: debates sobre violência doméstica, desigualdade salarial e saúde sexual tornaram-se centrais. Em 1985, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), e a Constituição de 1988 consolidou avanços importantes, como a igualdade jurídica entre homens e mulheres.
DÉCADAS DE 1990 E 2000: A INTERSECCIONALIDADE E A DIVERSIDADE
Com o avanço das discussões sobre raça e classe, o feminismo brasileiro passou a reconhecer a importância das vozes negras e indígenas. Mulheres como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e Djamila Ribeiro expandiram o debate, mostrando que não existe uma única forma de ser mulher no Brasil.
O conceito de “amefricanidade”, proposto por Lélia Gonzalez, destacou a importância da identidade afro-latina na construção de um feminismo genuinamente brasileiro.
Durante os anos 2000, o feminismo passou a ocupar também o espaço digital, criando uma nova geração de ativistas. As redes sociais se tornaram ferramentas de mobilização, denúncia e educação — um exemplo é o movimento #MeuPrimeiroAssédio, de 2015, que viralizou e expôs a naturalização da violência sexual no país.
FEMINISMO CONTEMPORÂNEO: NOVOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Hoje, o feminismo brasileiro enfrenta desafios complexos. Apesar de conquistas significativas, a desigualdade de gênero ainda é profunda. Segundo o IBGE (2023), as mulheres ganham, em média, 78% do rendimento dos homens; e apenas 15% dos cargos de chefia nas empresas são ocupados por mulheres.
Além disso, o Atlas da Violência (IPEA, 2024) revela que mais de 60% das vítimas de feminicídio no Brasil são mulheres negras — uma realidade que escancara as interseções entre gênero e raça.
O avanço do feminismo digital e as novas formas de engajamento — como coletivos universitários, podcasts e páginas educativas — têm ampliado o alcance do movimento. No entanto, também há um crescimento da desinformação e do antifeminismo, exigindo um novo olhar sobre estratégias de comunicação e educação.
O LEGADO E O FUTURO DO FEMINISMO NO BRASIL
O feminismo não é um movimento que pertence ao passado. Ele é uma construção contínua que se renova conforme as demandas sociais. No Brasil, ele se entrelaça à luta contra o racismo, a pobreza e a violência.
Mais do que um ideal, o feminismo é uma prática cotidiana — nas escolas, nos lares, nas redes e nas ruas — que busca garantir às mulheres o direito de existir com liberdade e dignidade.
Como escreveu a filósofa Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.
No Brasil, cada conquista feminista tem sido uma forma de reconstruir o significado desse “tornar-se” em um país ainda marcado por desigualdades históricas.
E é justamente por isso que o feminismo segue sendo indispensável: porque ainda há muito a conquistar.
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. São Paulo: Selo Negro, 2003.
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
LUZ, Nísia Floresta. Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens. Recife: Tipografia de M. F. de Faria, 1832.
IBGE. Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2023.
IPEA. Atlas da Violência 2024. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2024.
COSTA, Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Cristina. Uma questão de gênero: saúde e trabalho na vida das mulheres. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2007.

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