Samara Melo; Outubro de 2025
No Brasil, cuidar da mente ainda é um privilégio. Entenda como a saúde — especialmente a mental — se tornou um bem inacessível, fruto da capitalização do cuidado, e por que precisamos mudar isso urgentemente.
Durante o programa Saia Justa, a cantora Juliette desabafou sobre a importância da terapia em sua vida. Ela contou que, antes da fama, só conseguiu fazer acompanhamento psicológico porque uma terapeuta cobrava R$ 25 por sessão.
O relato emocionou o público — e escancarou uma verdade dolorosa: no Brasil, cuidar da mente ainda é um privilégio.
💸 A SAÚDE QUE SE TORNOU MERCADORIA
O que deveria ser um direito universal — o acesso à saúde — vem sendo tratado como um bem de consumo.
Com o passar dos anos, a saúde pública brasileira sofreu com subfinanciamento crônico e políticas que favoreceram a privatização dos serviços.
Segundo estudos da Fiocruz e da Scielo (2024), o Sistema Único de Saúde (SUS) nunca recebeu integralmente os recursos prometidos pela Constituição de 1988.
O resultado? Filas longas, dificuldade para marcar consultas especializadas e desigualdade entre regiões.
Essa lacuna abriu espaço para o avanço do setor privado — planos de saúde, clínicas populares e plataformas de terapia online — que, embora importantes, transformaram o cuidado em uma questão de poder aquisitivo.
⚖️ A DESIGUALDADE QUE ADOECE
Dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) revelam que o acesso à psicoterapia e à psiquiatria é altamente desigual.
Enquanto o Sudeste concentra o maior número de psicólogos e psiquiatras por habitante, regiões como o Norte e o Nordeste enfrentam escassez de profissionais e longas esperas nos serviços públicos.
A pesquisa Panorama da Saúde Mental (Instituto Cactus / AtlasIntel, 2023) mostrou que apenas 5% dos brasileiros fazem terapia, embora 16% utilizem medicamentos psicoativos.
Ou seja: há mais gente medicada do que acompanhada — um reflexo direto da falta de acesso a um cuidado psicológico contínuo e humanizado.
Além disso, os que conseguem fazer terapia são majoritariamente jovens, brancos, com renda média-alta e nível superior.
Para a população mais vulnerável, o tratamento psicológico se torna inviável: as sessões variam entre R$ 100 e R$ 400, conforme levantamento da Serasa (2024).
🏥 O SUS FAZ O QUE PODE — MAS NÃO O SUFICIENTE
O Sistema Único de Saúde é uma das maiores conquistas sociais do país e, sem dúvida, salva milhões de vidas.
Porém, enfrenta um déficit estrutural: poucos psicólogos e psiquiatras nas redes municipais, sobrecarga dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e filas que desestimulam a continuidade do tratamento.
Com isso, a população recorre a soluções de emergência — como medicação imediata ou atendimentos eventuais — sem acompanhamento adequado.
A lógica de mercado, por sua vez, reforça a ideia de que saúde mental é luxo, e não necessidade.
📉 QUANDO O EMOCIONAL PESA NO BOLSO
Para quem vive com renda apertada, pagar por terapia é um desafio.
Segundo a Serasa, 33% das pessoas que investem em saúde mental gastam entre R$ 101 e R$ 300 por mês, e 44% afirmam que o valor representa até 10% da renda familiar.
Em um país onde grande parte da população vive com até dois salários mínimos, é fácil entender por que a psicologia se tornou inacessível.
Mesmo alternativas mais baratas — como atendimentos online ou de estudantes — ainda não suprem a demanda.
Além da barreira financeira, existem obstáculos culturais, preconceito e falta de informação sobre a importância do autocuidado emocional.
🩺 A CAPITALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL
O processo de capitalização da saúde — quando o cuidado se torna produto — vem se consolidando há décadas.
Desde os anos 1990, com a descentralização e as reformas fiscais, o Estado reduziu sua participação direta na oferta de serviços, enquanto empresas privadas e convênios ampliaram espaço.
Essa lógica mercadológica fez da saúde um negócio lucrativo, mas manteve o bem-estar coletivo em segundo plano.
Hoje, clínicas populares, planos “low cost” e terapias de assinatura mensal tentam ocupar o vácuo deixado pelo poder público.
Mas o acesso continua desigual — quem tem dinheiro escolhe; quem não tem, espera.
💬 POR QUE ISSO PRECISA MUDAR
Cuidar da mente não é luxo, é sobrevivência.
A saúde mental impacta diretamente o trabalho, os relacionamentos, o aprendizado e até a saúde física.
Tornar a psicologia, a psiquiatria e outras áreas da saúde — como obstetrícia, ginecologia e oftalmologia — acessíveis a todos é uma questão de justiça social.
Precisamos repensar a estrutura:
Mais investimento público em saúde preventiva e emocional;
Ampliação dos CAPS e dos atendimentos psicológicos gratuitos;
Incentivos fiscais para clínicas e profissionais que ofereçam atendimento social;
Campanhas educativas para quebrar o estigma e incentivar o autocuidado.
🌱 CONCLUSÃO O DIREITO DE CUIDAR-SE
Quando o essencial se torna luxo, algo está profundamente errado.
A saúde — física, emocional e mental — é um direito constitucional, não um privilégio de poucos.
Enquanto o país tratar o cuidado como mercadoria, continuaremos adoecendo em silêncio.
> “Cuidar da saúde mental é essencial, né, gente?” — Juliette. Que essa frase deixe de ser um lembrete, e passe a ser uma realidade acessível a todos.
Fontes Consultadas:
Fiocruz (2024) – Financiamento e desigualdade no SUS
Scielo Brasil (2025) – 120 anos de saúde pública: acesso e financiamento
IEPS (2023) – Desigualdades no acesso ao tratamento de depressão no Brasil
Instituto Cactus / AtlasIntel (2023) – Panorama da Saúde Mental no Brasil
Valor Econômico (2020) – Subfinanciamento agrava desigualdade de acesso à saúde
Serasa Experian (2024) – Relatório Saúde Mental e Consumo no Brasil
Correio Braziliense (2023) – Apenas 5% dos brasileiros fazem terapia
Comentários
Postar um comentário