HPV No Brasil: Exclusão, Desperdício E Riscos Evitáveis

 

Por Samara Melo | Agosto de 2025


Em 2014, o Brasil incorporou ao Sistema Único de Saúde (SUS) a vacina contra o Papilomavírus Humano (HPV) — inicialmente para meninas de 9 a 13 anos e, em anos posteriores, para meninos e grupos de risco. No entanto, muitas meninas que já haviam ultrapassado essa faixa etária naquele ano — ou estavam no limite — foram excluídas do programa. Até hoje, estão “à mercê do sistema” sem terem sido imunizadas e sem condições de pagar pela vacina na rede privada.


1. Jovens Adultos Fora Da Faixa Etária: Vulneráveis E Sem Acesso


Muitas mulheres hoje em seus 20 e 30 anos nunca receberam nenhuma dose da vacina pelo SUS porque, em 2014, já eram mais velhas que a faixa recomendada. Limitadas pelo critério etário rígido, elas não puderam ser imunizadas gratuitamente. Essa exclusão é particularmente grave quando essas jovens se tornam sexualmente ativas e apresentam sintomas como verrugas genitais — causadas pelos tipos 6 e 11 do HPV — mas não têm como custear a vacina na rede privada (que pode chegar a mais de R$ 2.400 por dose).


Além disso, muitos jovens adultos heterossexuais assintomáticos funcionam como reservatórios silenciosos de transmissão. Estudo conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento revelou que 52% dos jovens entre 16 e 24 anos não vacinados apresentavam infecção anal por HPV, com predominância em mulheres (63,2% vs. 36,8%).


2. Cobertura Vacinal Persistente Abaixo Da Meta


Apesar da disponibilidade da vacina quadrivalente no SUS, a cobertura entre meninas de 9 a 14 anos nunca atingiu os 80% recomendados pela OMS. Entre 2019 e 2022, essa taxa caiu de 87% para cerca de 76% (primeira dose) e para menos de 58% (segunda dose). Entre os meninos (11 a 14 anos), os índices são ainda menores: cerca de 52% na 1ª dose e 36% na 2ª em 2022.

Em Goiás, apenas 12,3% a 30% das meninas de 10 a 14 anos receberam a segunda dose entre 2014 e 2022, revelando uma cobertura extremamente distante da meta.


3. Desperdício E Distribuição Ineficiente


Relatórios do Ministério da Saúde mostram que milhões de doses acabaram descartadas por vencimento ou por falhas logísticas. Ao invés de redistribuir essas vacinas em áreas carentes ou ampliar a imunização para meninas e meninos que ficaram fora da faixa etária inicial, o sistema permite que as doses se percam inutilizadas, ignorando a urgência de proteção em quem ainda não foi vacinado.


4. Ampliação Necessária: Faixas Etárias E Reforço Vacinal


Cientistas e especialistas defendem que a vacinação deveria ser ampliada para jovens adultos (até 26 anos ou até 45 em grupos de risco). A Organização Mundial da Saúde e estudos nacionais indicam que a imunização até essa faixa etária pode reduzir significativamente a circulação viral e prevenir tumores que surgem décadas após a infecção inicial. No SUS, já existem protocolos para imunossuprimidos até 45 anos, mas isso precisa ser estendido ao público em geral.


5. Consequências Clínicas E Sociais


O HPV está associado a quase todos os casos de câncer de colo de útero, com uma média anual de 16 a 17 mil novos casos no Brasil. A vacina quadrivalente previne até 70% desses tumores quando aplicada precocemente. No entanto, a limitação etária impede que muitas mulheres que seriam beneficiadas fiquem protegidas.


✊ Entre A Política E A Omissão


É contraditório que doses sejam desperdiçadas e que muitos jovens e adultos vulneráveis permaneçam excluídos do programa, mesmo quando clinicamente indicados. A exclusão por idade impacta diretamente a equidade sanitária, e a manutenção de restrições estritas demonstra descompasso entre necessidade epidemiológica e oferta pública.


Recomenda‑se:


Ampliação da faixa etária gratuita para até 26 anos ou até 45 em grupos de risco;


Redistribuição rápida de doses próximas do vencimento ou em excesso para regiões com baixa cobertura;


Implantação de estratégias de revacinação ou reforço para reduzir a circulação viral e prevenir lesões pré-cancerígenas.


Garantir o acesso universal à vacina contra o HPV não é apenas uma política de saúde pública, mas uma questão de justiça social e prevenção ao câncer. A manutenção da exclusão, diante do potencial da vacina, é uma grave omissão que exige correção imediata.











Fontes: 


BRASIL. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Imunização (PNI): Cobertura Vacinal HPV – 2023. Brasília: MS, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude. Acesso em: 06 ago. 2025.


G1. Mais de 3,5 milhões de doses da vacina contra HPV venceram nos estoques do SUS nos últimos anos. G1, 04 jun. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com. Acesso em: 06 ago. 2025.


INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA). Câncer do colo do útero: prevenção, diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: INCA, 2024. Disponível em: https://www.inca.gov.br. Acesso em: 06 ago. 2025.


PAIVA, Valéria; LEMOS, Raquel; VERAS, Maria Aparecida. Vacinação contra HPV no Brasil: desafios e oportunidades para ampliar a cobertura vacinal. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 26, e230014, 2023. Disponível em: https://scielo.org. Acesso em: 06 ago. 2025.


SBIm – Sociedade Brasileira de Imunizações. HPV: vacinação, eficácia e segurança. São Paulo: SBIm, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br. Acesso em: 06 ago. 2025.


UNICEF Brasil. Vacinação contra o HPV: Brasil registra queda na cobertura vacinal em meninas e meninos. Brasília, 2024. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil. Acesso em: 06 ago. 2025.

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