Por Samara Melo | Agosto de 2025
A pandemia de Covid-19 impactou drasticamente diversos setores da sociedade, mas talvez nenhum tenha sido tão profundamente afetado quanto a educação. No Brasil, os impactos ainda são visíveis e, em muitos casos, devastadores. Entre eles, o aumento da evasão escolar se destaca como um dos maiores desafios enfrentados pelas redes públicas de ensino após a reabertura das escolas.
Um Problema Silencioso, Mas Crescente
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 1,5 milhão de estudantes entre 14 e 29 anos abandonaram os estudos em 2022. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) aponta que os principais motivos foram a necessidade de trabalhar (39,1%), a falta de interesse (29,2%) e dificuldades financeiras (8,8%). A pandemia aprofundou desigualdades históricas e acelerou o afastamento de estudantes que já estavam em situação de vulnerabilidade.
O Censo Escolar de 2021, realizado pelo Inep, revelou uma queda de 1,2 milhão de matrículas na educação básica, especialmente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Evasão, distorção idade-série e abandono são faces do mesmo problema: uma escola que, para muitos jovens, deixou de fazer sentido ou se tornou um espaço inacessível.
Pandemia E Desigualdade Digital
Durante o período de ensino remoto emergencial, a desigualdade digital ficou escancarada. Um estudo da Unicef em parceria com o Cenpec Educação apontou que, em 2020, cerca de 4,3 milhões de crianças e adolescentes no Brasil não tiveram acesso a atividades escolares. A maioria dessas crianças é negra, mora nas periferias urbanas ou em áreas rurais e depende exclusivamente da escola pública.
Enquanto alunos de escolas privadas continuavam os estudos com apoio tecnológico, muitos estudantes da rede pública ficaram à margem da aprendizagem. Além disso, professores também enfrentaram dificuldades, sem formação adequada para lidar com as tecnologias e sem apoio emocional diante do cenário caótico.
Impactos Emocionais E Cognitivos
A evasão não se resume à ausência física nas salas de aula. Muitos estudantes retornaram às escolas sem vínculo com o processo de aprendizagem. O relatório “Crianças Fora da Escola”, da Fundação Lemann, mostrou que em 2022, cerca de 2 milhões de crianças de 6 a 14 anos estavam em risco de evasão ou com defasagem escolar grave.
Além disso, o impacto psicológico da pandemia não pode ser ignorado. Casos de ansiedade, depressão e baixa autoestima aumentaram entre adolescentes, tornando a permanência na escola ainda mais desafiadora. A evasão é, muitas vezes, o desfecho de um processo longo de exclusão simbólica, emocional e social.
O Que Está Sendo Feito?
Alguns estados e municípios têm desenvolvido programas para combater a evasão escolar. Em São Paulo, por exemplo, o programa “Busca Ativa Escolar” procura localizar estudantes que não retornaram às aulas presenciais. Já em Alagoas, um projeto piloto com apoio do Unicef identificou mais de 12 mil alunos em risco de evasão, conseguindo reintegrar parte deles ao sistema.
Entretanto, especialistas alertam que ações pontuais não bastam. É preciso investimento contínuo em políticas públicas voltadas à permanência escolar, com ampliação da educação em tempo integral, fortalecimento do ensino técnico, apoio psicológico nas escolas e transferência de renda condicionada à frequência escolar.
Caminhos Possíveis E Urgentes
A luta contra a evasão escolar exige uma abordagem intersetorial e sensível às realidades locais. Um estudo da Fundação Roberto Marinho sugere que programas de mentorias, reforço escolar e engajamento comunitário têm bons resultados quando acompanhados de apoio financeiro às famílias.
Além disso, a valorização dos profissionais da educação é central. A presença de professores capacitados, motivados e bem remunerados faz diferença na qualidade do ensino e no vínculo com os estudantes.
Como lembra o educador Paulo Freire, “a educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. E nesse processo, garantir que todos os jovens tenham acesso à escola — e permaneçam nela — é o primeiro passo para uma transformação social mais justa e inclusiva.
Fontes:
1. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. PNAD Contínua: Educação 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 06 ago. 2025.
2. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo Escolar da Educação Básica: Resumo Técnico 2023. Disponível em: https://www.gov.br/inep. Acesso em: 06 ago. 2025.
3. UNICEF. Mais de 2 milhões de crianças e adolescentes fora da escola em 2022. UNICEF Brasil, 2023. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil. Acesso em: 06 ago. 2025.
4. TODOS PELA EDUCAÇÃO. Anuário Brasileiro da Educação Básica 2023. Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br. Acesso em: 06 ago. 2025.
5. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV. Impactos socioeconômicos da pandemia sobre a educação no Brasil. 2022. Disponível em: https://portal.fgv.br. Acesso em: 06 ago. 2025.
6. SANTOS, Camila. Desigualdades educacionais se aprofundam com ensino remoto. Folha de S.Paulo, São Paulo, 10 ago. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 06 ago. 2025.
7. PIRES, João. A geração que ficou para trás. Revista Piauí, ed. fev. 2024. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br. Acesso em: 06 ago. 2025.
8. G1 – EDUCAÇÃO. Evasão escolar atinge nível recorde entre jovens de 14 a 17 anos. 18 set. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao. Acesso em: 06 ago. 2025.
9. AGÊNCIA BRASIL. MEC anuncia programa de busca ativa escolar. jan. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em: 06 ago. 2025.
Comentários
Postar um comentário