Por Samara Melo | Agosto de 2025
Em 7 de agosto de 2006, o Brasil dava um passo histórico no combate à violência contra a mulher: o então presidente Lula sancionava a Lei nº 11.340, dita Lei Maria da Penha, em homenagem à farmacêutica que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio orquestradas pelo marido — uma situação que resultou em sua paraplegia. O caso foi denunciado pela CIDH como reflexo de negligência estatal e culminou na criação de uma legislação respeitada internacionalmente.
A Importância Simbólica E Os Avanços Jurídicos
A lei representou um divisor de águas, tipificando agressão doméstica como violação dos direitos humanos e ampliando sua definição para além da violência física, contemplando também as modalidades psicológica, moral, sexual e patrimonial.
Além disso, estabeleceu medidas protetivas de urgência — como afastamento do agressor, proibição de contato, guarda exclusiva dos filhos — e criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, integrando as esferas penal e cível.
Após 19 anos, o País incorporou diversas melhorias na legislação. Entre as alterações mais relevantes destacam-se:
Inclusão do Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, que permite à vítima pedir ajuda com um X vermelho visível em locais como farmácias;
Criminalização do descumprimento de medida protetiva;
Obrigatoriedade de registrar se a vítima possui deficiência;
Suspensão do porte de arma do agressor, matrícula escolar dos dependentes próximos ao domicílio;
Obrigatoriedade de grupo reflexivo para agressores e prioridade no atendimento médico, psicológico e social às vítimas;
Criação de planos municipais e estaduais de enfrentamento à violência doméstica, com metas claras a cada dois anos.
Resultados Expressivos — Mas Insuficientes
Apesar dos avanços, a violência doméstica segue sendo uma tragédia cotidiana. De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a justiça recebeu quase 664 mil pedidos de medidas protetivas em 2023, sendo 81% deferidos.
Embora a lei tenha contribuído para reduzir em aproximadamente 10% os homicídios domésticos femininos, segundo o IPEA, sua aplicação ainda diverge muito entre as regiões, desvelando fragilidade institucional e desigualdade no acesso à proteção.
Mais alarmantes são os indicadores de violência extrema: segundo dados da política, ocorrem quatro feminicídios e mais de 10 tentativas de assassinato por dia, e em 80% dos casos a vítima é morta por companheiro ou ex-parceiro.
Desde a tipificação do feminicídio em 2015, o Brasil registrou 11.859 vítimas em 10 anos, com o número anual dos casos quase triplicando de 535 (2015) para mais de 1.200 em 2024.
Os Desafios Estruturais Persistentes
Entre os maiores obstáculos à efetividade da lei estão:
Desigualdade regional: àquelas mulheres em áreas rurais, periferias ou sob influência de facções, o acesso à justiça continua precário.
Subnotificação e desconhecimento da lei: surpreendentemente, 75% das mulheres não sabem como a Lei funciona, apesar de quase metade já ter vivenciado alguma forma de violência doméstica.
Falta de articulação institucional: a comunicação entre polícia, judiciário, assistência social e saúde ainda é falha, prejudicando o atendimento integral.
Esperas judiciais e falta de fiscalização: nem sempre a medida protetiva é concedida dentro das 48h previstas; diversos pedidos são tardios e ineficazes.
Mulher Símbolo E Inspiração Que Vai Além Da Lei
Maria da Penha, aos 80 anos, segue à frente de um legado de luta, enfrentando ameaças e visibilidade ambígua, mas mantendo seu compromisso de ativismo inspirador. Ela defende que a rede de proteção deve chegar a cada município, com equipe mínima composta por médico, psicólogo e assistente social.
Agosto Lilás: Um Convite À Reflexão
O mês de agosto tornou-se referência simbólica na luta contra a violência doméstica: o Agosto Lilás reúne campanhas de conscientização sobre o tema. Contudo, a persistência da cultura machista e a ausência de políticas integradas ainda colocam em xeque sua eficácia.
O Que Ainda Falta Para Completar Os 19 Anos Da Lei?
A Lei Maria da Penha não pode permanecer uma promessa inacabada. Em quase duas décadas, conquistamos importantes ferramentas jurídicas de proteção, mas seguimos reféns de barreiras estruturais que alimentam o ciclo de invisibilidade da violência de gênero.
Para garantir que o marco dos 19 anos da lei seja celebrado com real progresso, é imprescindível:
1. Fortalecer a rede de proteção, ampliando casas-abrigo e juizados especializados, especialmente em regiões mais vulneráveis;
2. Ampliar investigações e punições eficazes — começando pela melhoria na coleta de dados e tipificação correta dos crimes;
3. Expandir campanhas educativas inter setoriais, aproximando escolas, mídia, saúde e cultura popular na desconstrução do machismo;
4. Transformar a conscientização coletiva em política pública permanente, com aplicação real, recursos e fiscalização.
A Lei Maria da Penha inaugurou a esperança. Agora, 19 anos depois, precisamos garantir que essa esperança se transforme, enfim, em justiça concreta para cada mulher brasileira.
Fontes Citadas:
O Globo: cobertura dos 18 anos e dados de medidas protetivas
Folha de S. Paulo / Estado de Minas: estatísticas históricas; limitações
O Correio Braziliense: avanços jurídicos da lei
CNJ: aperfeiçoamentos legislativos
MPF / DataSenado: percepção pública e desconhecimento
tribunahoje.com: impacto diário da violência
El País / Folha: feminicídio em números
Wikipedia / ONU: origem e eficácia da lei
El País: trajetória de Maria da Penha
Wikipedia: campanha Agosto Lilás
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